APAC de Paracatu/MG
15/07/2004
A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC de Paracatu/MG, foi fundada em 15 de dezembro de 2003 e inaugurada somente em 25 de maio de 2010, uma vez que, no transcorrer de sua construção, surgiram muitos desafios. Contudo, os esforços dos que acreditavam ver esse sonho se tornar realidade foram de suma importância para superar todos os obstáculos e inaugurar essa APAC.
O Juiz de Direito da comarca, João Ary Gomes, viu a oportunidade de implantar uma estrutura de recuperação em Paracatu, um método humanizado para o cumprimento de pena, pois ele havia tido conhecimento da metodologia apaqueana através de suas visitas a outras comarcas onde já existia APAC, especificamente em Minas Gerais.
Inúmeros deslocamentos foram realizados para participação em reuniões e eventos que ofereceram aos representantes de Paracatu a oportunidade de conhecer a estrutura e funcionamento do Método APAC de comarcas de outras regiões, dando ênfase a de Itaúna/MG, por ser referência a nível internacional.
As caravanas foram compostas das seguintes instituições representativas da sociedade de Paracatu: Igreja Católica, Evangélicas, Espíritas, Ação Social, Câmara Municipal, Prefeitura Municipal, Clubes de Rotary, Maçonarias, Faculdades, Empresários, Voluntários, Imprensa e outros segmentos sociais.
Essas iniciativas foram de grande importância para a conscientização da sociedade sobre a real situação de funcionamento do presídio público local, além do que as visitas às APACs em funcionamento, desencadearam vários encontros que despertaram a comunidade para o início das ações em prol da edificação da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados na comarca. Um método digno para a recuperação das pessoas privadas de liberdade que realmente desejavam uma verdadeira transformação em suas vidas, o que consequentemente impactaria no bem estar dessa mesma sociedade.
O Juiz da comarca, João Ary Gomes, juntamente com seus assessores, estiveram à frente de todos os eventos, os quais puderam contar também, com a parceria da sociedade pós-sensibilizada com a justa causa.
O Magistrado citava sempre nas reuniões e encontros sobre a possibilidade da criação de uma APAC na comarca de sua jurisdição, enfatizando as experiências e exemplos das que já se beneficiavam desse novo método de ressocialização de condenados, que segundo ele, vinham obtendo resultados eficientes a partir da implantação dos 12 elementos de recuperação.
Foi de grande importância o empenho de muitas pessoas de boa vontade. A exemplo disso, cabe citar a empresária Elizabeth Mittie Fukuda, que contribuía através de trabalhos de profissionalização por meio de sua empresa de informática (ADA Informática), oferecendo aos presos da cadeia pública a oportunidade de aprenderem uma profissão, além de ocupar o tempo ocioso.
Embora não dispondo a cadeia pública de um espaço com amplitude física que lhe desse a oportunidade de ajudar melhor aquelas pessoas privadas de liberdade, ela não desanimou. Segundo Mittie Fukuda, durante os momentos que permanecia naquele local, sentia o desejo de poder um dia contar com um espaço amplo e digno para continuar o voluntariado.
Era também desejo da empresária, ver cada um daqueles presos ser tratado dignamente e chamado pelo seu próprio nome. Entretanto, ela percebia que, para alcançar essa realidade, precisaria de iniciativas e decisões urgentes para ampliação da estrutura física daquela unidade. Um sonho que só poderia ser concretizado mediante a participação mútua da sociedade paracatuense.
Desta forma foram surgindo, com muita vontade e dedicação, as iniciativas para o nascimento da primeira diretoria da APAC em Paracatu, sendo eleito o presidente, senhor Eurípedes Tobias, e demais membros assessores que assumiram as atividades da diretoria a partir daquele momento. Assim, em 2003, deram-se os primeiros passos para o andamento dos trabalhos, na busca das condições necessárias para implantação de uma APAC na cidade mineira.
Após aquele momento de composição da diretoria, esbarrou-se na falta do terreno para início da obra, fato que concretizou logo em seguida no mesmo local onde aconteceram as eleições (Jóquei Clube, por volta das 20h do dia 15 de dezembro de 2003); na presença de inúmeras autoridades, entidades públicas, representantes sociais e voluntariados. Momento em que, por meio de um gesto solidário vindo de pessoas de bom coração, foi oferecido um terreno para a construção do Centro de Reintegração Social – CRS da APAC de Paracatu.
O prefeito na época, Arquimedes Borges, e o Bispo Diocesano da paróquia de Santo Antônio, Dom Leonardo de Miranda Pereira, fizeram questão de doar o terreno, que totalizou 9.500 m².
Dom Leonardo, Bispo Emérito de Paracatu/MG e grande entusiasta da APAC na cidade.
Dom Leonardo cita a experiência da APAC de Paracatu como sendo uma das mais gratificantes de seu ministério episcopal e narra com propriedade esse momento:
Recordo, porém, que tão logo fui solicitado para participar dessa empreitada mediante a doação do terreno, respondi prontamente. Fomos verificar o local: Dr. João Ary, eu e – na época – Mons. Benedito. Naquele momento começou a chover. Dr. João Ary nem se importou. Pediu-me permissão e começou a delimitar a área “com passos de sete léguas”, comentei. Lamento não ter anotado e registrado em livro o dia exato dessa providência. O fato é que assim, ouso dizer, teve efetivo início o abençoado projeto da APAC no bairro Bom Pastor. No avançar dos trabalhos de construção do prédio, ocorreu um episódio interessante e que me deixou muito sensibilizado: por certa aparência e pelo pequeno tamanho tornei-me irmão do Desembargador Joaquim Alves de Andrade, responsável em Minas Gerais pelo acompanhamento às APACs. Numa arrancada surpreendente, a construção avançou a olhos vistos. Acolheu seus primeiros assistidos antes mesmo do término total do projeto. Assim pode consolidar seus objetivos indicados no enunciado: Associação de Proteção e Assistência aos Condenados: entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade.
(OTTOBONI, 2017, p. 106).
Em seguida, os demais colaboradores também foram oferecendo outros tipos de ajuda no sentido de abraçar e integrar para o desempenho daquela causa, fazendo com que tudo pudesse se concretizar.
Área do terreno sendo preparado para início da obra da APAC.
Precisou de muito esforço para chegar na estrutura atual. As condições de forma geral, eram muito frágeis levando em conta que tudo no início realmente é bem mais difícil, e principalmente que se tratava de uma construção de grande porte como a desta APAC.
No começo da construção, em 2006, não havia nenhum aparato de segurança para os que ali trabalhavam (voluntários, funcionários e recuperandos). Os recuperandos eram deslocados todos os dias ida e volta à cadeia pública já que não permitiam pernoitar fora do presídio.
A construção da unidade recebeu recursos, que alcançaram o total de R$ 1,46 milhão, do Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS). O juiz da comarca contribuiu destinando recursos de penas pecuniárias, o Ministério Público com verbas que vieram dos Termos de Ajustamento de Conduta, e empresas de mineração, cooperativas de crédito, sindicato rural e outros segmentos da região também contribuíram para a construção do CRS na cidade.
Estrutura, esquadrias metálicas e tijolos foram produzidos pelos recuperandos na própria construção, atividades que logo passaram a compor as oficinas profissionalizantes da unidade.
Recuperandos preparando as ferragens para construção do CRS da APAC de Paracatu/MG.
A partir de 2008, os presos autorizados a trabalhar no CRS passam a pernoitar na edificação e a APAC começa a funcionar parcialmente.
Conforme surgia a movimentação dos recuperandos no canteiro de obra, crescia também a atenção de outras parcelas da comunidade, o que intensificava ainda mais os riscos de entrada de drogas para dentro da construção. Alguns deles chegaram a ser atraídos várias vezes por traficantes que traziam a droga e escondiam nos buracos das paredes ainda sem rebocar.
Foram situações que nos deixavam em situação de alerta constante e exigiam uma atenção redobrada por parte dos responsáveis para que impedissem os atos ilícitos naquele canteiro de obras, pois favoreciam plenamente a aproximação dos envolvidos com o tráfico e poderiam significar o fim do projeto e descrédito da associação.
“Deus não vai nos desamparar, mas vai depender da perseverança de cada um de nós. Estamos convictos de que dias melhores virão para o cumprimento de nossas penas”. – Esta frase foi uma das muitas pronunciadas pelos recuperandos durante a construção da APAC de Paracatu. O desejo de cada um deles era que as obras fossem concluídas o mais rápido possível e, apesar das dificuldades, a construção ia tomando forma sem interrupções em seu andamento.
Recuperandos no início da obra do CRS da APAC de Paracatu/MG.
Importante ressaltar a assiduidade com que o juiz João Ary Gomes acompanhou firmemente cada passo na realização desta grande obra em Paracatu/MG. Mesmo diante de uma série de dificuldades ele não recuou de suas responsabilidades.
Juiz João Ary Gomes acompanhando a obra da APAC de Paracatu/MG.
Outra situação difícil enfrentada pela diretoria e voluntários diz respeito aos problemas de saúde dos recuperandos trabalhadores durante o desenvolvimento da obra, o que requereu atenção e muita dependência do serviço de saúde local. Muitos deles eram acometidos constantemente por fraturas e fortes dores no corpo devido aos esforços físicos nas pesadas atividades da construção.
A missão de transportá-los ao atendimento de saúde ficava sempre por conta do grupo de voluntariado, que usava seus próprios veículos para fazer escoltas, sem medir esforços para concretizar a nobre missão.
O projeto da APAC de Paracatu, estabeleceu estrutura suficiente para 120 recuperandos, composta das seguintes seções: Padaria; Sala de Laborterapia Artesanal; Salas de aula; Biblioteca; Contabilidade; Gerência Administrativa; Secretaria; Setor jurídico Voluntariado; Auditórios; Oficinas de Pré-moldados; Serralheria; Almoxarifado; Espaço de Lazer (Campo de futebol e Basquetebol); Cozinha; Refeitórios e Horta Comunitária (Sistema Mandala).
Obra da APAC de Paracatu/MG em fase estrutural.
A medida em que cada área era construída e o CRS ia tomando forma, os recuperandos percebiam a importância de seus esforços para concretização do Método APAC na comarca.
Recuperando na construção do refeitório da APAC de Paracatu/MG.
Na fase final da obra, todos os envolvidos demonstravam mais convicção de que os sonhos estavam cada vez mais próximos de serem concretizados.
Novas oficinas, frutos de doações, foram implantadas. Sendo que, entre os doadores, a Prefeitura Municipal de Paracatu, o Grupo do Sindicato Rural, a Família Agrisan e a Empresa Transporte e Serviços contribuíram de forma mais significativa, até mesmo estruturando as unidades produtivas.
Fase final da obra do CRS de Paracatu/MG para aplicação do Método.
Assim, em uma tarde de terça-feira, 25 de maio de 2010, o Centro de Reintegração Social da APAC de Paracatu foi finalmente inaugurado, com a capacidade para 142 recuperandos, sendo distribuídos 48 no regime fechado, 64 no semiaberto e 30 no aberto.
Durante o discurso de inauguração, Dom Leonardo cita como exemplo e testemunho o Padre Alfonso Pastore, que, segundo ele, foi inspiração na luta pelos direitos dos presos, bem como na defesa da implantação de um sistema humanizado para cumprimento de pena na cidade:
O Padre Alfonso Pastores é totalmente encarnação da APAC, tudo isso que ouvimos como definição, propósito e objetivos da APAC era o trabalho do Padre, e tenho certeza que lá da Glória, ao lado de Deus ele deve estar vendo essa inauguração com muita alegria. Lembro o quanto ele lutou pela recuperação, pelo bem daqueles que estavam na Cadeia Pública, sonhando com isso que está acontecendo agora, dignidade, recuperação verdadeira. Era o sonho e a grande preocupação do Padre Alfonso Pastore.
Os recuperandos que atuaram na construção do CRS de Paracatu terminaram a obra qualificados e aptos para o mercado de trabalho nas funções de pedreiro, serralheiro, eletricista, encanador, pintor, entre outras. Vários egressos hoje estão inseridos no mercado de trabalho atuando inclusive nessas áreas.
Hoje com capacidade para 200 recuperandos, a APAC de Paracatu funciona com as seguintes unidades produtivas: marcenaria, carpintaria, fábrica de blocos, cozinha, almoxarifado, padaria, lava-jato, serralheria, marcenaria, pré-moldados, confecção, eletroeletrônico e horta hidropônica.
A mão de Deus esteve, está e estará sempre fazendo fluir bênçãos neste recinto de recuperação de condenados. Hoje temos a felicidade de presenciar e apoiar o recuperando em condições de recuperação, digna e humanizada.