APAC masculina de Santa Bárbara/MG

19/11/2005

Fachada da APAC de Santa Bárbara/MG

A Assembleia foi presidida pela juíza de direito da comarca, Dra. Maria de Lourdes Freitas Fontani Villarinhos, que fez uma breve apresentação sobre o assunto e exibiu um filme sobre a recuperação na APAC de São José dos Campos/SP, pioneira da metodologia apaqueana e da APAC de Luz/MG para as inúmeras autoridades das cidades de Santa Bárbara, Catas Altas e São Gonçalo do Rio Abaixo ali presentes.

Em junho de 2002 foi realizado o Seminário de Estudos sobre o Método APAC realizado no colégio Caraça, contando com a presença do Dr. Mário Ottoboni, Valdeci Ferreira e ex-recuperandos, onde foi constituída uma comissão para compor a primeira diretoria.

A Dra. Maria de Lourdes Freitas Fontani Villarinhos, foi até a cadeia falar sobre a APAC que seria iniciada naquele lugar. Os presos pensaram que era uma loucura a ideia. Afinal, como uma juíza acreditaria na gestão de um presídio sem armas, sem polícia, administrado pelos próprios presos?

Iniciou-se assim, uma obra de apenas um galpão, contando com um espaço ainda muito limitado com duas celas, dois banheiros, uma pequena cozinha, sendo parede e meia com a cadeia, espaço este cedido da cadeia pública pelo Delegado Dr. Roberto Soares de Souza.

Foram selecionados 11 presos que saiam para trabalhar na obra do galpão pela manhã e voltavam para a cadeia à tarde para dormir. Após o galpão ficar pronto, os voluntários iniciaram as atividades laborterápicas e de ressocialização, no final de cada dia os 11 recuperandos voltavam para as celas da cadeia, porque naquela época, a associação ainda não estava desmembrada da cadeia.

Foi quando aconteceu um dos primeiros momentos difíceis para a implantação daquela APAC, quando um recuperando que trabalhava na construção da APAC passou com uma arma para dentro da cadeia. O delegado cancelou tudo, disse que não haveria mais APAC por ali e os presos que auxiliavam na obra ficaram 30 dias trancados.

Tudo permaneceu paralisado até que a diretoria da APAC na época conseguiu separar os recuperandos de vez da cadeia por meio de um acordo, em que só seria possível seguir em frente se eles abrissem mão do banho de sol até quando fossem providas condições para a construção de um pátio.

Eles concordaram, o delegado cedeu o albergue com duas celas para a APAC e fecharam um corredor de forma que ficaram totalmente separados da cadeia. Depois de algum tempo o delegado cedeu duas celas para APAC e então os recuperandos passaram a ficar nestas celas totalmente isoladas da cadeia.

Neste momento as dificuldades somente começavam, a APAC de Santa Bárbara não tinha uma parceria com o estado, e todos os recursos eram através de doações, que muitas vezes não supriam as necessidades básicas dos recuperandos, dificultando o trabalho dos voluntários.

Filocelina Dornellas uma das voluntárias que fazia parte da pastoral carcerária relembra as dificuldades enfrentadas naquele momento:

Às vezes faltava o básico, lembro que um dia não tínhamos nem um arroz para fazer, mas Deus enviava voluntários com doações para suprir as necessidades. Padre João nos auxiliava, muitas vezes pagava um táxi para nos levar até a APAC, pois naquela época não tínhamos um transporte particular, era um trabalho muito difícil, tínhamos várias dificuldades, o espaço muito limitado, o preconceito da sociedade, pois a maioria das pessoas não acreditavam em nosso trabalho, mas Deus nos manteve de pé e nossa fé e esperança valeu muito a pena. Sou muito grata por fazer parte da história da APAC de Santa Bárbara.

 

Ainda sem recursos, era notável o sacrifício dos voluntários e aquilo mexia com os recuperandos, que acompanhavam tudo. Toda essa dedicação fazia com que a disciplina naquela APAC fosse rígida, devido ao reconhecimento da dedicação dos voluntários por parte dos recuperandos.

Até que vieram os primeiros convênios e puderam contratar funcionários, cerca de 20 voluntários atuaram frente à APAC na época, entre eles: Tatiana Flávia, Fátima, Filocelina, Mariza, Solange, Elson, Carmen, Rita, Neco, Judite, Padre Rosenberg e o Delegado Roberto.

Dona Fátima, cofundadora da APAC de Santa Bárbara, muitas vezes colocou a APAC à frente de suas necessidades, de seus desejos e de sua própria família. Hoje ela está junto de Mário Ottboni, Franz de Castro e todos os voluntários e voluntárias que, dos céus, intercedem a Deus pelo sucesso das APACs, na terra.

Dr. Mário Ottoboni e Dona Fátima.

O Padre Rosenberg que atuou desde o início a frente da APAC como voluntário depõe sobre como se inseriu no universo apaqueano e como eram feitas as celebrações:

Começamos com a pastoral carcerária, até hoje faço os momentos de oração na APAC, com as celebrações, missas e cursos para voluntários. Acredito muita na recuperação das pessoas, é um trabalho fantástico. Eu e irmã Simone fazíamos celebrações nos presídios, fizemos uma celebração linda, mas ao final um preso que na época não se usava o nome recuperando, me chamou e fez uma observação: Padre a celebração foi linda, mas porque nós ficamos presos nas celas e o senhor no pátio? Se vocês que sempre vem aqui não confia em nós, como será com as outras pessoas que estão lá fora? A partir daí comecei a mudar a forma dos encontros, passei a levar o violão, cantar músicas com eles, a ouvi-los mais. Infelizmente as grades que nos separam não são propriamente as grades físicas, mas sim as grades do preconceito, da falta de solidariedade, misericórdia.

Em 07 de setembro de 2004, foi inaugurado, o primeiro módulo das obras da APAC, composta de um local amplo, para oficinas de trabalho, duas salas de aula, banheiros e cozinhas.

Em 2005 foi inaugurado o Centro de Reintegração Social – CRS em um espaço contiguo, mas totalmente isolado da cadeia pública, sendo a cadeia pública posteriormente transferida para outra localidade e o prédio cedido para a APAC.

A solenidade de inauguração, com cerimonial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, contou com a presença de várias autoridades, como o Desembargador Joaquim Alves de Andrade, na época coordenador do Projeto “Novos Rumos” do TJMG; Desembargador Sérgio Abreu, da Escola Judicial Edésio Fernandes; a Exma. Juíza da Comarca, Dra. Maria de Lourdes Freitas Fontani Villarinhos; o Exmo. Delegado de Polícia da Comarca, Dr. Roberto Soares de Souza, e o Presidente da ASASB, Dr. José Anchieta da Silva.

Estiveram presentes representantes de vários segmentos da sociedade, destacando-se a presença de comerciantes e empresários, interessados em fornecer oportunidade de trabalho aos recuperandos, os sócios-contribuintes e voluntários, que demonstraram apoio a APAC, doando seu trabalho, ou mediante ajuda financeira.

Momento que emocionou os presentes foi a participação dos próprios recuperandos da APAC, que, sob a coordenação de um pedreiro contratado, Sr. Geraldo Estévão Dias, edificaram toda a obra. Na solenidade, foram homenageados, com entrega de diplomas, realizada pelo Presidente da ASASB, Dr. José Anchieta da Silva.

Em entrevista, a Presidente da APAC Santa Bárbara na época Dra. Tatiana Flávia Faria de Souza, expôs:

A obra hoje inaugurada representa um grande passo para os trabalhos da APAC. Nas dependências inauguradas, será possível que os recuperandos, que cumprem pena em regime fechado, possam trabalhar, em várias atividades, estudar e participar de várias atividades, buscando a transformação em seres humanos de bem, preparando-se para viver harmonicamente em sociedade, quando conseguirem a liberdade. Esperamos contar com o apoio cada vez maior da comunidade, através do trabalho voluntário, ou da contribuição financeira, em pequena quantia mensal. Há várias maneiras de participar, e certamente o trabalho é engrandecedor, para aqueles que participam. Estamos muito felizes, cientes de que ainda temos muito trabalho pela frente, buscando a recuperação do condenado.

Deivisson Stanley Rodrigues ex-recuperando da APAC de Santa Bárbara/MG, trabalhou como Condutor, e Inspetor de Segurança na referida APAC e como Inspetor de Metodologia da FBAC depõe sobre sua experiência com a APAC:

Um dia, veio até o pátio da Cadeia pública, a juíza Maria de Lourdes e falava-nos sobre a APAC. A felicidade, o entusiasmo e a convicção que ela falava do projeto era de se admirar, mas era como se “jogasse pérolas aos porcos”, porque naquele ambiente não existia confiança ou qualquer outro sentimento que nos fizesse acreditar na pessoa que “nos condenou”.

(…) Nas minhas orações eu só pedia a Deus uma oportunidade, na minha cabeça seria uma oportunidade de fazer algum tipo de serviço externo à cadeia, faxina, galeria etc., mas Deus com sua infinita misericórdia e com suas bênçãos sobrenaturais reservava algo não só para minha vida, mas para todos os que ali cumpriam pena.

A APAC na minha vida foi literalmente um divisor de águas, foi a inserção de valores que me fizeram entender o real sentido da vida. Eu fui preso aos 18 anos de idade e condenado a 23 anos de reclusão, naquele momento é como se tivesse jogado minha vida fora, me senti um animal em cativeiro, um lixo, uma decepção para minha família, não tinha mais o que fazer além de passar dias e dias alimentando de histórias de crimes, covardias e diversas situações desumanas.

Tive a oportunidade de trabalhar na APAC de Santa Barbara como condutor de segurança e inspetor de segurança, buscando sempre ser grato como sou até hoje e com amor incomparável por esta APAC. Sigo firme na caminhada, e até hoje a disposição para retribuir está oportunidade que um dia me deram, para me recompor-me como ser humano, e até hoje sou sempre ouvidos a estes anjos que Deus colocou na minha vida.

Marcello ex-recuperando e ex-funcionário da APAC relembra:

Em 10 de fevereiro de 2010 fui preso na cidade de Itabira onde permaneci no presídio daquela Comarca por 1 ano e 7 meses, após esse tempo fui transferido para APAC de Santa Bárbara, onde muito me surpreendi com a humanização que ali nos oferecia, não conhecia o Método APAC, e a princípio era difícil acreditar que eu estava inserido dentro de uma proposta que apenas dependeria de mim mesmo para minha ressocialização.

Em 2015 consegui minha progressão de regime para o semiaberto, onde a APAC proporcionou uma grande oportunidade para minha reinserção social, primeiro trabalhei no Fórum da Comarca de Santa Bárbara, um projeto do Juiz de Direito Dr. José Afonso Neto. Em seguida trabalhei juntamente com minha família na Empresa TITAN treinamentos onde permaneci por 4 anos.

Em dezembro de 2018, tive o direito do livramento condicional, o início de uma nova etapa em minha vida. Passado exatamente um ano, participei do Edital para contratação de funcionário da APAC na qual fui aprovado.

Através do trabalho incansável dos voluntários e com auxílio de parceiros, a APAC de Santa Bárbara conta com 2 oficinas profissionalizantes, padaria e estamparia, uma quadra de esporte e lazer, sala de laborterapia, biblioteca, refeitório.

Dependências do CRS de Santa Bárbara/MG.

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